quarta-feira, 6 de julho de 2016

Tive um luto mal elaborado. Cheguei a essa conclusão há alguns meses. E isso com certeza colaborou para a intensificação dos meus sintomas da bipolaridade.
Minha mãe teve o diagnóstico da doença em novembro de 2010. Ela tinha câncer de endométrio. Fez cirurgia, quimioterapia, radioterapia, braquiterapia; passou por várias intervenções, várias internações, entre uma sessão e outra. Ela ficava muito debilitada. Em nenhum momento, até então, eu pensava que ela iria morrer. Acreditei fielmente na sua cura e no seu restabelecimento, podendo voltar a viver com algumas limitações, pois a doença a deixou muito fragilizada, mas voltando a viver.
Em dezembro de 2011, foi concluído esse tratamento. Mas ela sentiu fortes dores abdominais, teve que fazer novos exames e então foram constatados três tumores no fígado, sem condições de operação. Voltamos ao hospital, ela foi internada para iniciar um novo ciclo de quimioterapia. Nesse momento, comecei a duvidar. Falei para o médico que ela não aguentaria. Ele disse para persistir e acreditar. Não acompanhei a primeira sessão, ela estava internada, passei todos os dias com ela, mas esse dia eu sabia que as coisas não iriam dar certo.
Ela passou quatro meses internada antes da sua morte, ocorrida em julho de 2012. Fizemos todo o possível para que ela ficasse confortável e sem dor. Ela teve AVC, convulsão, ficou demente nos últimos dois meses, foi tudo muito sofrido. No último mês eu entendi que minha mãe ia morrer. Eu percebi pelas atitudes das enfermeiras, pelo estado dela que só piorava, pela falta de opções, eu não quis que deslocassem ela para outro hospital para fazerem um exame e ver se tinha câncer no cérebro. Eu entendi que isso não faria diferença, o tratamento seria o mesmo e eu não queria que minha mãe cumprisse um protocolo, um item a mais na sua lista de enfermidades. Não fazia diferença. Acho que a partir desse dia eu comecei a enterrar a minha mãe, eu vi que não tinha mais mãe, ela não falava, só ficava medicada com morfina, mal abria os olhos, ela já não vivia.
Uma semana antes de seu falecimento, a médica veio falar comigo. A mãe ainda tinha muita dor, apesar da morfina. Então a médica sugeriu que o aparelho ficasse ligado todo o tempo, com a dose máxima de morfina e me alertou que a mãe não iria mais acordar, podendo permanecer assim até dez dias. Tomei a decisão sozinha, não falei para ninguém, só expliquei depois. Nesse dia perdi minha mãe. Fiquei órfã. Não a vi mais. Só toquei e falei poucas palavras. O essencial falei enquanto ela ainda estava consciente. Ela ficou sete dias assim. Já estava tudo providenciado, velório, enterro, capela. Esse foi meu primeiro grande erro. Não deveria ter ido junto providenciar essas questões, minha mãe ainda respirava e compramos seu caixão.
Após toda a cerimônia, cheguei em casa, tomei um banho e fui lavar roupa, arrumar coisas, estava tudo jogado. Lavei inclusive a coberta que ela usava no hospital, não queria mais sentir aquele cheiro.
No domingo, fizemos um almoço com meu pai, minha sobrinha, eu me sentia com muita energia e não parava. Na segunda viajei com meu pai para o interior. Na terça providenciei minha licença de sete dias devido a perda da mãe. No resto da semana limpei guarda roupas, armários, levei e busquei as meninas no colégio, fui ao mercado, não parei. No sábado, dia quatro de agosto, foi a missa de sétimo dia, não chorei, não voltei para casa, fui no shopping. Fiz muitas compras, fiquei muito tempo andando, voltei detardinha para casa. No domingo planejei aulas e na segunda retornei para sala de aula.
Meu Deus!!!! Tudo errado. As pessoas querem ajudar, mas ajudariam muito mais com solidariedade. Ninguém é obrigado a saber como lidar com enlutados, mas eu aprendi o que não fazer e dizer para pessoas de luto.
Primeiro, temos que nos permitir viver o luto, seja chorando, dormindo, conversando, saindo, mas não negando.
"Sua mãe estava muito doente, acabou o sofrimento"; "É a lei da vida, os pais morrem antes",  "Ela está bem", "Você tem que seguir sua vida", "Temos coisas para fazer", "Tu tens uma família linda e filhas que precisam de ti". Não costumo escrever assim, mas "Vão à merda!!!!"
Era minha mãe, ninguém quer que a mãe morra, por mais que esteja sofrendo, porque, sim, somos egoístas. É a lei da vida??? quem disse? Você é Deus para dizer quem vai primeiro?? Que lei é essa?
Ela está bem. Essa é a pior de ouvir. Como assim?? Tu já foi e voltou?? Não esquecendo que o enlutado, na maioria das vezes, está descrente e sem falar que nesses momentos não se coloca a religião como justificativa. Seguir a vida? agora? Eu quero conversar, se eu falar sobre a morte e a doença, basta ao amigo ouvir, deixar colocar para fora, e quem sabe, um abraço. Só. Sem tentar "consolar", com crenças pessoais e palavras decoradas. Sim, tenho uma família maravilhosa, mas essa hora é minha, sou eu quem preciso de cuidados, sou eu que preciso chorar no momento e na hora que eu precisar, e não ficar escondendo da minha família.
Enfim, consegui identificar várias situações prejudiciais, que eu não me permiti expressar no momento certo, mas que hoje consigo externalizar e me fez muito bem.
Minha mãe sabe e sempre soube da imensidão do meu amor por ela, do quanto lutei com ela, do quanto a admiro e que tudo isso não passou de uma negação, por ter perdido o amor mais nobre da minha vida, a pessoa que me conduziu ao bom caminho, firme na educação, emotiva, mas sem muita demonstração de carinho, esse era visto na sua bondade e no seu coração. Movida pela fé, cumpriu com êxito sua jornada. Sou humilde o suficiente para afirmar que não sei onde ela está, ao mesmo tempo, sei que ela está ao meu lado, pois sinto sua presença e seu olhar.
Mães deveriam ser eternas. Pais também. Todas as pessoas que amamos deveriam ser. Não queremos perder ninguém. Não adianta dizer que é a maior certeza da vida. Não estamos preparados, cada pessoa reage de uma forma, mesmo se a morte for prevista. Eu entendo a morte da minha mãe, mas não aceito. Seria mais fácil, mas meu coração enrijece cada vez que penso: "tudo bem, era a hora dela".
Dia 28 de julho completa quatro anos de sua partida. Agora que estou entendendo um pouco melhor o que aconteceu. A dor amenizou. A saudade aumenta a cada dia. "O tempo é o melhor remédio". Acho que não, o tempo não apaga nada, ele suaviza. E só.

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