Ainda era cedo, o sol estava se pondo, mas Verônika sentia formigamento nas mãos e uma leve falta de ar acompanhada de uma taquicardia que aumentava conforme os minutos passavam. O convite da festa da sua melhor amiga a deixou perturbada desde o dia do seu recebimento. Compromissos sempre a deixavam desconcertada e esse ela não poderia faltar. Apesar de não gostar de estar com pessoas, de conversas aleatórias, de gente diferente, Verônika nutria sentimentos por algumas em especial. Então, essa noite ela precisava estar arrumada e disposta. Deixou cômodas abertas, som em alto volume, roupas jogadas. Não conseguia escolher nada. Ligou o chuveiro, o vapor subindo, os vidros embaçando e quando não conseguia mais ver e nem pensar em nada, abriu a gaveta e acreditou conseguir o alívio pegando a tesoura.
Uma sensação de ter tomado a decisão certa foi interrompida com o susto que levou ao ouvir a campainha tocar. Verônika sentiu vontade de não atender, mas a curiosidade impediu, pois visitas eram escassas. Respirou fundo, ajeitou rapidamente a bagunça e seguiu calmamente até a porta, quando olhou através do "olho mágico" e foi surpreendida pela chegada dele.
Abriu a porta, cumprimentou o senhor e convidou para entrar. Ele então se sentou e Verônika ofereceu um café, torcendo para que aceitasse, pois teria tempo de pensar em como agir diante daquela conflitante situação. Ao chegar à sala, o homem estava em pé olhando alguns quadros na parede. Com a voz embargada e assustada, Verônika insistiu para que o homem sentasse. Ao se aproximar, enquanto ele colocava açúcar e mexia o café, Verônika relembrou o cheiro, o hálito, sentiu suas mãos grandes devolvendo a colher e as lembranças vieram em forma de um filme, um filme que ela pensava ter esquecido. Ainda que os anos tenham passado, tudo estava nítido na sua mente.
Correu para o banheiro, não conseguia enxergar, o chuveiro ainda estava ligado, tateou no armário e conseguiu pegar a tesoura, no mesmo momento em que seu pai a tocou no ombro perguntando se estava tudo bem. Verônika segurou firmemente a tesoura e acertou a jugular. Ainda trêmula e nervosa tomou duas decisões importantes: esse seria seu último corte e não faltaria mais a festas com amigos.
Sempre foi assim. Verônika conseguia lidar com a dor física, mas não suportava o desespero emocional.