segunda-feira, 9 de abril de 2018

O último corte - um conto

Ainda era cedo, o sol estava se pondo, mas Verônika sentia formigamento nas mãos e uma leve falta de ar acompanhada de uma taquicardia que aumentava conforme os minutos passavam. O convite da festa da sua melhor amiga a deixou perturbada desde o dia do seu recebimento. Compromissos sempre a deixavam desconcertada e esse ela não poderia faltar. Apesar de não gostar de estar com pessoas, de conversas aleatórias, de gente diferente, Verônika nutria sentimentos por algumas em especial. Então, essa noite ela precisava estar arrumada e disposta. Deixou cômodas abertas, som em alto volume, roupas jogadas. Não conseguia escolher nada. Ligou o chuveiro, o vapor subindo, os vidros embaçando e quando não conseguia mais ver e nem pensar em nada, abriu a gaveta e acreditou conseguir o alívio pegando a tesoura.
Uma sensação de ter tomado a decisão certa foi interrompida  com o susto que levou ao ouvir a campainha tocar. Verônika sentiu vontade de não atender, mas a curiosidade impediu, pois visitas eram escassas. Respirou fundo, ajeitou rapidamente a bagunça e seguiu calmamente até a porta, quando olhou através do "olho mágico" e foi surpreendida pela chegada dele.
Abriu a porta, cumprimentou o senhor e convidou para entrar. Ele então se sentou e Verônika ofereceu um café, torcendo para que aceitasse, pois teria tempo de pensar em como agir diante daquela conflitante situação. Ao chegar à sala, o homem estava em pé olhando alguns quadros na parede. Com a voz embargada e assustada, Verônika insistiu para que o homem sentasse. Ao se aproximar, enquanto ele colocava açúcar e mexia o café, Verônika relembrou o cheiro, o hálito, sentiu suas mãos grandes devolvendo a colher e as lembranças vieram em forma de um filme, um filme que ela pensava ter esquecido. Ainda que os anos tenham passado, tudo estava nítido na sua mente.
Correu para o banheiro, não conseguia enxergar, o chuveiro ainda estava ligado, tateou no armário e conseguiu pegar a tesoura, no mesmo momento em que seu pai a tocou no ombro perguntando se estava tudo bem. Verônika segurou firmemente a tesoura e acertou a jugular. Ainda trêmula e nervosa tomou duas decisões importantes: esse seria seu último corte e não faltaria mais a festas com amigos.
Sempre foi assim. Verônika conseguia lidar com a dor física, mas não suportava o desespero emocional.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

EU SOU BIPOLAR



Esse foi um ano de conhecimento do Transtorno Bipolar, hoje consigo identificar os sintomas de cada fase, entendo que cada uma exige um comportamento adequado que leva a superar os sintomas ou pelo menos, amenizar.

Aceito minha realidade como portadora do Transtorno Bipolar e procuro viver um dia de cada vez, compreendendo que a negação me faz retroceder.

Ainda tenho muitas dúvidas, mas hoje não tenho mais vergonha de questionar e expor meus sintomas. 

A aposentadoria foi extremamente benéfica e me fez perceber que devemos nos cuidar de forma integral, e que há outras maneiras de viver, minha profissão não define minha vida.

Conclui meu pós graduação. realizei muitas leituras e estou iniciando a escrita do meu relato pessoal, que pretensiosamente poderá originar um livro. 

quinta-feira, 13 de julho de 2017



Ponto e vírgula.


Decidi continuar o texto.


Pelo menos por enquanto.


O Project Semicolon (Ponto e Vírgula), nasceu em 2013 nas redes sociais. O Movimento Americano quer trazer amor e esperança para quem tem tendências suicidas, depressivas ou a automutilação.
Mas por que um ponto e vírgula?
O ponto e vírgula é usado quando um autor poderia ter escolhido terminar uma frase, mas optou por não fazer, ele continua. O autor é você, e a sentença é a sua vida, diz Amy Bleuel, criadora do projeto.

segunda-feira, 10 de julho de 2017

PSICÓTICA

Tudo desorganizado.
Tumulto emocional.
Tudo é demais e parece de menos, porque ainda dá para fazer mais e mais. E  sempre mais, falta tempo, Sobram ideias e disposição.
As coisas parecem tão fáceis. Nada me abala. Posso fazer o que eu quiser, tenho ânimo, tenho planos, tenho talento. Sou capaz de receber amigos, frequentar festas, arrumar tudo, escrever sobre várias coisas, ler livros. Até terminei meu TCC, que estava empacado.
Mas porque tudo isso tem um preço tão alto?
As noites estavam agitadas, dormia pouco. De repente, acordei vendo teias e aranhas se aproximando, ficando cada vez maiores, não adianta fechar os olhos. E os dias foram passando e elas foram crescendo, com olhos enormes, os objetos do quarto também criaram outras formas, algumas coisas ficaram desfiguradas. Outras coisas se mexiam e estavam embaralhadas. Elas foram aumentando, o conteúdo ficou aterrorizante, cabelos vinham em minha direção, seguido dos olhos, e depois tudo fragmentado, pedaços de corpo, mas desordenados. Flashes de luz, pontos pretos, minha visão periférica ficou cheia de vultos.  Tive muita ansiedade, talvez até crise de ansiedade. Ficava nervosa só de pensar. Pensar também está difícil, não consigo concluir uma ideia, formar um pensamento. E quando eles se confundem? Será que estou pensando ou estou ouvindo? Não estou convencida de que estou ouvindo, acho que os pensamentos se perdem, podem se juntar com nossa voz interior e pode até ser perigoso.
Isso tudo iniciou há três semanas, está passando aos poucos.  A medicação está agindo, já estou mais calma e as alucinações estão passando. Muito ruim saber que está alucinando. Quando falei para médica, esperava que fosse agitação, perturbação, o que não deixa de ser.
Tenho medo de perder o controle da situação. Quem vai me tirar do meu mundo? Quem vai saber onde estou?
E já  sei. A tendência agora é deprimir. Tira remédio, coloca remédio. Não sei até quando vou suportar. Aquela tendência suicida sempre volta quando caio na real.